Vitiligo afeta 1% dos brasileiros
A canadense Winnie Harlow poderia ser apenas mais uma modelo de sucesso como tantas outras que passam por programas de novos talentos, como o America’s Next Top Model, do qual efetivamente participou, em 2014. Ela, entretanto, diferencia-se por um detalhe: é portadora do vitiligo. Essa doença causa a perda gradativa da pigmentação da pele e pode afetar qualquer parte do corpo, principalmente cotovelos, joelhos, face, genitais, extremidades das mãos e pés, e até interior da boca, cabelo e olhos.
A condição da modelo, que ficou famosa por desafiar padrões de beleza internacionais, chama a atenção para um problema que atinge homens e mulheres em igual proporção, sendo mais evidente em peles morenas e, em 75% dos casos, pessoas com menos de 30 anos. No Brasil, o percentual de pessoas que sofrem com o problema é de cerca de 1%.
O vitiligo é uma doença autoimune. As células inflamatórias destroem progressivamente os melanócitos – células responsáveis pela pigmentação da pele –, dando início ao surgimento de manchas claras com forma, tamanho e quantidade variáveis, além de limites nítidos e bordas irregulares.
Sabe-se que o aspecto emocional está fortemente associado à origem da condição. “Em geral, o vitiligo surge em momentos muito tensos e de perda, seja de entes queridos, de um relacionamento ou de emprego”, explica a dermatologista Denise Steiner, doutora em Dermatologia pela Unicamp e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia e da Academia Americana de Dermatologia.
A doença pode se manifestar de forma localizada, generalizada ou universal, quando há despigmentação de mais de 50% da pele ou mucosa. O vitiligo segmentar ou unilateral manifesta-se apenas em uma parte do corpo, normalmente quando o paciente ainda é jovem. Pelos e cabelos também podem perder a coloração. Já no vitiligo não segmentar ou bilateral, há manifestação nos dois lados do corpo, nas duas mãos, nos dois pés e nos dois joelhos. Normalmente há ciclos de perda de cor e épocas específicas em que a doença se desenvolve, depois há períodos de estagnação. “O vitiligo segmentar não responde tão bem aos tratamentos tradicionais, mas fica estacionado. Ele começa, aumenta e estaciona. Já o vitiligo vulgar começa e evolui, em geral, em surtos, fazendo com que apareçam mais e mais lesões”, afirma a especialista.
Tratamento para vitiligo
Uma das maiores dificuldades, de acordo com Denise Steiner, é a demora para iniciar o tratamento. “Quanto menor a lesão, mais rapidamente ela é tratada, e quanto menor o número de lesões, melhor é o tratamento. O vitiligo com mais de 10 anos, que compromete uma área de 50% do corpo, é o mais difícil de tratar”, afirma.
De acordo com o dermatologista Celso Lopes, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia, que possui mestrado e doutorado pela Unifesp sobre a doença, casos em que as manchas acometem mais de 90% do corpo podem levar à recomendação de despigmentação da pele. “É um procedimento difícil em um país que tem sol na maior parte do ano, pois requer proteção intensa. O tratamento geralmente causa muita irritação na pele e qualquer exposição solar pode levar à repigmentação”, diz.
A escolha de como se dará o tratamento depende da forma clínica da doença, idade do paciente, extensão das manchas e áreas atingidas. “Geralmente são prescritos imunossupressores e imunomoduladores tópicos”, conta Lopes. Um exemplo de imunomodulador tópico é o tacrolimus, medicamento que induz a repigmentação das regiões afetadas. “Outras substâncias usadas são os psoralenos, antioxidantes e vitamina D”, afirma. “Pode haver contraindicações ou efeitos colaterais, principalmente em relação aos corticoides tópicos de alta potência, que, se usados por longo tempo, podem causar atrofia da pele. Com os psoralenos há risco de queimadura se usados sem controle médico rigoroso. Cada medicamento pode ter efeitos colaterais se usados inadvertidamente.”
De acordo com o médico, terapias complementares constituem uma opção para esses pacientes e incluem o uso da fenilalanina tópica e sistêmica. A fenilalanina é um aminoácido essencial natural e precursor da tirosina, que participa da síntese de melanina. A suplementação com Polipodium leucotomos, um fitoterápico antioxidante e imunomodulador, também pode ser benéfica, uma vez que ele atua como fotoprotetor oral na erupção polimórfica à luz. A suplementação oral de ácido fólico, de vitamina C e vitamina B12 pode também influenciar na melhora da repigmentação devido às propriedades antioxidantes.
O tratamento padrão para a pigmentação das manchas é a fototerapia, que pode ser feita com o sol, com aparelhos que emitem luz UVB e UVA e com um laser que emite luz UVB. Existem também tratamentos com psoralenos, como o metoxalen e o trissolarem, eventualmente usados em formulações tópicas ou sistêmicas, associados à luz UVA (PUVA), embora hoje em dia o tratamento UV-B (narrow brand) seja mais usado. “O paciente utiliza, em casa, medicamentos como os corticoides e inibidores da calcineurina, que são estimuladores, mas é necessária a exposição à luz para haver pigmentação, normalmente de duas a três vezes por semana”, explica Denise Steiner. “É importante lembrar, entretanto, que o tratamento tópico e a exposição solar precisam ter a dose certa, no tempo certo, para não haver risco de queimadura.”
Apesar da exposição à luz ser parte do tratamento, quando indicado, há a necessidade de adotar medidas fotoprotetoras e de evitar roupas apertadas que provoquem atrito ou pressão sobre a pele, além do controle do estresse, pois todos esses fatores podem precipitar o aparecimento de novas lesões e acentuar as já existentes.
Vale lembrar que existem contraindicações também para esse tratamento, no caso de pacientes portadores de lúpus, doença de fotossensibilidade, melasma ou câncer de pele. Ambos os especialistas veem vantagens na manipulação de fórmulas. “É o caso dos psoralenos e aminoácidos, como fenilalanina”, destaca Denise Steiner.
Além do acompanhamento médico, o apoio psicológico evita que a dermatose se torne o centro da vida do paciente, levando à baixa autoestima e à retração social.
O psicanalista Evaristo Magalhães, de Belo Horizonte (MG), reforça que os traumas estão entre as razões mais fortemente associadas ao problema, mas esclarece: “Costuma-se pensar em uma situação imediatamente anterior ao vitiligo, como um acidente. Mas o trauma é constitutivo da nossa existência, e nem mesmo a ciência ou a filosofia podem dar conta de certas angústias. Assim, direcionamos, de forma inconsciente, essa angústia para o nosso corpo”, analisa.
A chegada do paciente com vitiligo no consultório psiquiátrico acontece, na maioria das vezes, por encaminhamento profissional ou quando o paciente está com sintomas psíquicos de moderados a graves. “Quando o paciente é encaminhado por outro profissional, costuma sentir uma estranheza, e o psiquiatra tem de ter o cuidado de, ao atendê-lo, respeitar sua resistência e estimulá-lo a uma psicoterapia e ao tratamento medicamentoso, se houver indicação”, diz a psiquiatra e psicanalista de Belo Horizonte (MG) Marilia Brandão Lemos de Morais.